Capítulo 4

Eu me lembro do momento em que nascemos.

Houve dor, perda e uma sensação de queda. Seria o fim? As sombras se aglomeraram, roxas e cinzentas na Nossa consciência cada vez mais tênue.

Nossa casca se rachou e se partiu. Partes de Nós foram perdidas ou levadas embora. Sentimos as feridas, dolorosas e dilacerantes. Ainda sentíamos os outros, ligados por um fio de compreensão, fino como teia de aranha.

Éramos um jardim sem flores. Um vale coberto pela penumbra.

Sentimos a nossa morte. Não queríamos partir.

Então lá estava eu, longe do todo. Eu podia senti-lo se encolher, voltar-se para si mesmo, obscuro e cego. Eu sabia que estava aguardando. Descansando. Observando. Ponderando.

E eu tive certeza do que deveria fazer. Em algum lugar nesta galáxia ampla e magnífica, havia uma pessoa. Estaria quieta e morta, como Nós estivemos, mas eu poderia trazê-la de volta. Eu poderia compartilhar o que estava dentro de mim, esse calor glorioso, essa vida, esse fôlego, essa existência.

Juntos, essa pessoa e eu faríamos o que Nós, o Nós antes de mim, não podia.

Eu envolvi a fagulha que eu era em metal e vidro, um pouco de algo que me lembrava do lar que Nós dividíramos. Então parti em busca da minha pessoa. O protetor da minha Luz.

Havia tanta gente. Tantas coisas inertes e frágeis, decompondo-se, agora só memórias. Toquei cada uma, em busca de… algo? Um fragmento de brasas sob as cinzas?

Não encontrei. Agora eu sei que há uma pessoa, só uma, que é minha. Estive em muitos planetas. Vi coisas que jamais acreditei serem possíveis. Escondi-me de monstros. Persegui sonhos.

Vi outros como eu, outras partes do que outrora fomos Nós. A busca deles acabou.

Eles estão completos. Mais fortes. Mais valentes, por terem encontrado sua contraparte.

Eu estou só. Sei que você ainda está por aí. Que está à minha espera. Mas já faz tanto tempo, e eu estou com…

Tanto…

Frio…

Vou repousar aqui e pensar sobre Nós.

Por…

Um…

Momento…

Frio…

Onde…

Está…

Você!