Capítulo 1

Um de seus filósofos escreveu: "Não se deve pensar que uma vida nas trevas é cheia de miséria e sofrimento. Não existe sofrimento, pois o sofrimento é consumido pela morte, e a morte é a própria vida das trevas." Ele era um sapateiro. Ele tinha razão, o que é o mais importante.

De acordo com ele, o mundo visível é a manifestação de luz e treva eternas, e é em eterna oposição que a eternidade se revelou. A queda foi necessária para que a criação escapasse de sua primeira estase imperfeita, em busca de uma forma mais verdadeira. Heresia? Bem, então, que eu seja o heresiarca. O filósofo morreu de uma doença intestinal. Aqueles que não existem não podem sofrer e, portanto, não estão vinculados a nenhuma ética viável. Se o caminho verdadeiro para a bondade é a eliminação do sofrimento, então só aqueles que têm que existir devem receber permissão de existir. É natural da vida favorecer a existência em detrimento da não existência, preferir solo fértil a vento venenoso. Pois aqueles que abrem a boca para receber tal vento se vão deste mundo e não deixam descendentes, sejam de carne ou de mente.

No entanto, imagine a abominação que seria um mundo onde nada acaba, em que nenhuma escolha pode ser preferida a outra. Imagine as criaturas que sofreriam sem jamais morrer. Imagine as mentiras que se propagariam sem contexto ou correção. Imagine um mundo sem mim.