Capítulo 4

"Senhor. Isso é terrível." – Um derivante da Idade da Treva.


Yu tinha nove ciclos de idade e visitava com certa frequência. Ela morava com a família ao lado de Judson e às vezes os pais dela a mandavam para a casa de Germaine quando o tempestuoso vizinho ficava beligerante demais. Que era o que estava acontecendo naquele momento. Germaine não se incomodava.

"Judson acha que deixar o povo do ferro ficar aqui com a gente é uma má ideia," dizia a garota. Caminhava devagar, de um lado para o outro na cabana, tendo o cuidado de não pisar no jogo de cartas que Germaine estava jogando no chão de terra batida.

"Eu sei. Mas o Judson fala demais. E às vezes a gente tem que se decidir. Viu só quanta comida eles deram pra gente?" disse Germaine, baixando uma carta. A luz de uma lamparina bruxuleou, iluminando a maior pilha de caixas de ração que aquela cabana já abrigara até então.

"O Judson é muito bom com armas. Eu já vi. Será que ele não pode—"

"Não, ele não pode, não. Aquelas coisas lá, não dá pra matar elas. Pode ir tirando isso da cabeça agora mesmo."

Yu continuou andando de um lado para o outro, cenho ligeiramente franzido de pensar.

"É bom ter mais comida, mas o Judson acha que a gente vai morrer por causa deles. Acho que ele pode até acabar fugindo," comentou ela.

Ele baixou mais uma carta. "Você tem que ser grata pelo que tem. Seus pais estavam ficando sem jantar pra você não ficar sem o seu. Os Erguidos resolveram esse problema. Pelo menos por enquanto. Temos que deixar eles ficarem aqui."

Ela parou de andar, assimilando tudo, e olhou para o teto de chapas de metal. "Eu não quero morrer."

"Você não vai morrer," respondeu Germaine. "Por que não vai procurar os seus pais? Estou meio quebrado."

"Tá bom," concordou ela, dando de ombros, e foi embora.

Germaine pegou uma pequena caixa de água na pilha de suprimentos, abriu-a e encheu uma tina. Yu não tinha percebido porque não dava para enxergar muito bem na luz bruxuleante da lamparina, mas as mãos dele tremiam.

**

A respiração de Judson condensava no ar noturno enquanto ele fechava o portão da cidade da forma mais silenciosa possível. Se deixasse as mãos tremerem, acabaria chacoalhando aquela grade velha e acordaria a família de Yu, portanto esforçou-se ao máximo para manter o punho firme. Depois, ficou parado na passagem que saía do Vale Eaton.

Ao se virar, trombou em cheio com Germaine.

"Não vi você aí, irmão," grunhiu Judson baixinho, contendo-se no último segundo para não dar uma cotovelada na garganta do vizinho. Deu um passo atrás. Apenas um.

"Onde você está indo tão tarde da noite?" perguntou Germaine. "Irmão."

"Você é burro por acaso? Estou dando no pé antes que o tiroteio comece."

"A gente tem que acreditar que esse tal de Lorde Dryden sabe o que faz," disse Germaine.

Judson balançou a cabeça. "Todo mundo nessa cidade vai morrer, tudo por causa de você e dos que resolveram fazer esse acordo. Esses caras são muito piores do que as histórias contam."

"Você sabe o que eu acho dos Erguidos, mas essa semana eles salvaram a nossa vida."

Judson riu com escárnio. "Ninguém acredita nisso, porque os Erguidos são iguaizinhos a você e eu, mas eles acabam matando até mesmo sem querer. Pra eles, é tão natural quanto respirar. Eles não conseguem se controlar.

"Eles querem pegar um cara só. É só um cara. A gente tem que deixar rolar até o fim. Até mesmo os Erguidos são capazes de conter uma briga nessa escala."

"Vai sair da frente? Ou eu vou ter que te fazer sair?"

Germaine deu um passo para o lado. "Eu não sou a lei aqui. Mas pra onde você vai? Lá fora não tem nada, só terra devastada pela guerra. E a presa deles já tá pra chegar."

"Eu sou rastreador. Alimentei essa cidade durante anos e anos antes de você vir pra cá. Vou ficar bem. E esse outro Erguido não vai dar a mínima para um único homem passando sozinho. Não tenho nada a esconder. Só quero dar o fora daqui. Se vocês querem ficar aqui e servir de isca para os mortos em guerra, boa sorte pra vocês."

Germaine deu uma risada curta. "Tá rindo do quê?" escarneceu Judson outra vez, com a mesma voz grave.

"Não sei como você faz isso. Eu quase chego a te admirar."

"Do que você tá falando?"

"Você não sente medo. Boa sorte, irmão. Quem sabe a gente ainda não se vê por aí." Germaine caminhou de volta para o portão.